segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Visão de Saúde ou Os Órfãos da Saúde Pública

A crise no setor de saúde não é novidade no Brasil. Há muitos anos convivemos com ela e sabemos já de forma exaustiva quais são as causas desta crise. Falta de dinheiro, falta de gestão de atendimento, dividindo e priorizando os casos mais graves aos hospitais e distribuindo à rede de atenção primária, os casos de menor gravidade. É um discurso político, com pretensa atenção à saúde, porém, acompanhado da rotineira falta de uma ação efetiva que demonstre, na prática, esta prioridade. Todos estes elementos são por demais conhecidos. Entendemos que a base desta discussão e desta velha crise é a Visão de Saúde.
Existe uma visão de saúde como despesa, como gasto de dinheiro, como ônus: um verdadeiro “saco sem fundo” no qual por mais que se ponha dinheiro nunca será o suficiente. Mas saúde é, na verdade, um investimento. Se a nossa população tivesse um adequado sistema de prevenção de doenças e um atendimento de família suficientemente eficiente, provavelmente os nossos hospitais estariam menos lotados e as nossas emergências não estariam mergulhadas no caos que observamos nos dias de hoje. Ou seja, se houvesse investimento na saúde de forma organizada e eficiente, certamente o gasto dos governos nesta área seria muito menor.
Talvez esteja na hora de mudarmos a atual Visão de Saúde. A construção desta visão deve ser feita com base no diálogo e na compreensão de todos os envolvidos, debatendo o que interessa e o que é urgente: a melhora no precário sistema de atendimento à saúde da população gaúcha. Aliás, a saúde em geral e a assistência médica em particular sempre vem sofrendo, ao longo das últimas décadas, um desprezo e uma indiferença que beira o absurdo, com repercussões, infelizmente sempre mais danosas para o cidadão comum. O caos que se instalou recentemente nas emergências dos hospitais de Porto Alegre mostra o abismo que há entre o discurso e a prática em todas as esferas.
Em nosso meio, ao lado do aumento da população, dos avanços tecnológicos e econômicos verificados, nenhuma preocupação e muito menos providências, foram manifestadas quando perdemos o Hospital Lazarotto, mais tarde o Hospital Ipiranga, o Hospital Maia Filho, o Hospital de Reumatologia, o Hospital Independência e o Hospital Vila Nova que foram progressivamente deixando uma crescente multidão órfã que se acumula desumanamente nas emergências superlotadas dos hospitais que restaram para o atendimento da população.
Esta realidade doída, não poderá ser mascarada por iniciativas paliativas, muito menos sem a falta de consenso de todos os gestores envolvidos – nos âmbitos políticos, técnicos e de representatividade médica. A Associação Médica do Rio Grande do Sul está à disposição, como sempre esteve, de todo e qualquer pilar social, para tentar transformar - mesmo que a longo prazo - qualquer processo de reorganização da saúde pública no Brasil. 
Diante da perspectiva de mudança encaminhada pelos gestores municipais em Porto Alegre, a classe médica vislumbrava o começo de uma nova etapa de qualificação e valorização dos cuidados com a saúde da população que via serem tão negligenciadas as medidas criadas ao longo dos anos. Entretanto, com a adoção de medidas que não sejam consensadas, volta-se à estaca zero, desprezando o caos estabelecido e retratado pelo sofrimento dos que necessitam da assistência médica, diante da perspectiva de se tornarem os órfãos da falta de gestão da saúde pública.
Os gestores de saúde nas instâncias municipais, estaduais e federais poderiam conversar mais. Nós, médicos, além dos familiares dessas pessoas - é claro - somos os que mais convivem com as dificuldades e revezamos sentimentos de frustração e impotência. Nós é que nos deparamos com as faces marcadas pela angústia e pela dor. Saúde é uma questão técnica que pode e deve ser perfeitamente resolvida por técnicos, porém, com um olhar mais humano.
*Diretoria da AMRIGS - Associação Médica do Rio Grande do Sul