sexta-feira, 19 de julho de 2013

Trabalhadores desvalorizados

Coluna escrita pela jornalista responsável por este blog publicada no jornal Folha Nativa de 19 de julho de 2013, sexta-feira.

Desde antes de Cristo o mecenato garante a existência da atividade cultural, seja de artistas, escritores, poetas ou intelectuais. Historicamente, os mecenas são pessoas (ou empresas) com muito dinheiro que patrocinam atividades culturais que consideram importantes. Sem eles, os grandes criadores da história não teriam como viver da arte e, provavelmente, suas criações não existiriam.

O mecenato continuou entre a Idade Média e o século 19 com a igreja como patrocinadora. Na Europa industrial, intelectuais, entre eles Karl Marx e Guy Debord, foram sustentados por amigos milionários.

Desde 1936 o jornal britânico, The Guardian é financiado por uma fundação, a Scott Trust. O mecenas criador dessa fundação, John Scott doou uma grande fortuna (£ 1 milhão na época) para que o jornal mantivesse sua independência editorial e financeira e jamais se vendesse. Hoje no Brasil, a lei do mecenato permite que empresas patrocinem projetos culturais e abatam o valor doado do imposto de renda.

Existe ainda outra categoria de mecenato. É o crowdfunding, ou financiamento coletivo. Pessoas com boas ideias – para filmes, documentários, projetos jornalísticos ou filantrópicos, produtos, etc – lançam-as para que o mundo as conheça, e pessoas físicas interessadas no projeto em questão podem fazer doações para que ele exista. Na prática, quando você liga para Teleton ou Criança Esperança você também está participando de um financiamento coletivo.

Este tipo de financiamento ocorre desde o império romano porque estas áreas de atuação não são consideradas "trabalho" pela maior parte da população. Artistas, sejam músicos, atores, pintores, escultores ou fotógrafos; e intelectuais, sejam escritores, poetas, filósofos ou sociólogos. Todos têm atividades que demandam tempo muita pesquisa e reflexão, porém não são considerados trabalhadores. Por conta disso, há uma crença de que eles não precisariam receber para realizar seu trabalho.

Aquilo que não tem o valor percebido não é considerado digno de pagamento. Nestes moldes, o financiamento de jornais e programas de notícias vem, principalmente, da publicidade e não do cidadão interessado, o que faz que o interesse dos patrocinadores possa se sobrepor ao do leitor.

Porém o contrário também ocorre. Aquilo que é visto como "de valor inestimável" acaba por ter seu valor esvaziado. De forma mais sutil, mas tão danosa quanto, governantes acreditam que nobres profissionais, como professores e médicos devem estar disponíveis a todos independentemente de remuneração adequada. Assim, cada vez mais professores vão para o sistema privado de ensino e médicos deixam de se credenciar para atender pelo sistema público.

E acredite: não é por ganância. Para realizar certos procedimentos, hospitais filantrópicos e médicos pagam ao invés de receber. O valor repassado pelo SUS não cobre sequer material utilizado. E atendem mesmo assim, pois sabem que o paciente não tem culpa pela falta de consideração daqueles que acreditam que alguns profissionais deveriam contribuir para a sociedade trabalhando de graça. Mas professores e médicos não têm mecenas.

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